quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Somos todos hipócritas


Afonso Vieira

Ao longo de nossa breve existência, sempre nos deparamos com duras críticas aos políticos; nas mais variadas vezes as indagações são fortes por parte de alguns e praticamente inexistente da ampla maioria. Ouvimos lamurios de muitos, mas manifestações de peso e que sejam consistentes acabam vindo apenas de uma pequena parcela da população, estes são os que fazem as cobranças mais fortes. Mas será que a culpa das nossas mazelas é única e exclusiva dos políticos?

Este breve ensaio vai generalizar a situação. Reclamamos - na maioria das vezes - com razão, mas será que fazemos ao menos a nossa parte? Ou ainda, temos moral o suficiente para criticar? Que políticos se utilizam de práticas espúrias para conseguirem agrados, e que não produzem nada a contento quando não lhes convém, é fato conhecido por todos – mas não são eles o perfeito reflexo de nossa sociedade?

Oras, vivemos na cultura do “jeitinho brasileiro”, onde levar vantagem sobre os demais – inclusive de forma desonesta - é exaltado como qualidade; quem fura fila é “esperto”; sonegar imposto de renda é regra e não exceção; o suborno do guarda de trânsito é prática corriqueira; os alunos estudiosos são tidos como nerds, malvistos pela maioria de seus pares. Pessoas alcançam padrões de vida elevados de formas impudicas, e devido a sua nova classe, passam a ser tratados como exemplos de retidão.

A baixa valorização da moral e dos bons costumes não possui determinismo geográfico ou posição social, ela possui representantes de todos os credos, raças e classes. Presenciei esta semana um senhor de carro importado estacionando na vaga de deficientes físicos; em contrapartida, os estacionamentos de carros – mesmo tento placas proibindo – estão abarrotados de motos.

Quantas vezes não vemos pessoas abastadas utilizando o nome das igrejas para conseguir benefícios? Quantas vezes buscamos formas de burlar as regras existentes para tirar proveito? Temos que autenticar cópias de documentos, fazer reconhecimento de assinaturas em cartório a apresentar comprovante de residência, pois nossa palavra não é confiável.

Temos o hábito de reclamar de qualquer coisa, mas normalmente não buscamos os meios corretos para sanar os problemas – mesmo tendo plena consciência de como fazê-lo. Existem leis municipais que regulam o tempo de permanência em filas bancárias e, mesmo sabendo disso, as pessoas ficam a reclamar, mas não se utilizam dos mecanismos legais para fazer valer seus direitos. Há ainda as mães que, sem necessidade, levam crianças no colo para escapar da espera.

Não estamos preocupados em resolver a situação, e sim, em tirar proveito. Preferimos assistir novelas estúpidas a ler um bom livro. Não apagamos a luz de estabelecimentos de terceiros – a conta não é nossa. Lixeiras parecem mais ornamentações sem finalidade, pois atirar papel ou latas de cerveja nas ruas é normal. Não nos preocupamos em bem fazer nosso serviço, afinal, o salário estará na conta no fim do mês, independente da produção. O professor bom é aquele que não cobra, mas que enrola a aula.

Pois é, entra governo e sai governo, os escândalos se multiplicam e o povo continua elegendo Jaders e Malufs com votações recordes. Magistrados “aumentam” os próprios salários. As mais ridículas desculpas continuam sendo aceitas. Não nos lembramos em quem votamos na última eleição, e nem cobramos atitudes e esclarecimentos dos representantes. Justificamos tudo com o chavão: “os outros também faziam/fazem”, e fica tudo por isso mesmo.

Somos hipócritas quando cobramos padrões morais de nossos representantes, afinal, eles são nossa cópia elevada à perfeição.

*Quadro "A fábrica de ilusões" de Aniano Henrique

**Publicado em O JORNAL, de 20 de agosto de 2007.

***Publicado no Portal Grito http://www.portalgrito.com.br/arquivol/arquivol.php?id=54


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